Foto:
http://www.suplementopernambuco.com.br/suplemento/93-especial/895-tomas-seixas-a-fusao-entre-critica-e-criacao.html
TOMÁS SEIXAS
( Brasil – Pernambuco )
( 1916- 1993 )
Ficou famosa a afirmação de Oliveira Lima de que publicar na província é permanecer inédito. Há, porém, situações ainda mais profundas de esquecimento. É o caso de Tomás Seixas, nascido em 1916, inédito e esquecido mesmo por cá, mesmo na Recife que tanta presença marcou em sua obra. Uma outra Recife, é bem verdade – menos venerável e mais venérea… Tomás Seixas cantou o lado obscuro e underground da cidade. Dono de uma obra exígua, desencontrada, não reunida ainda, cheia de lacunas e hiatos; mas dotada de muito valor e certa originalidade.
Não há nem mesmo como ter certeza dos livros que publicou. Tudo indica que foram quatro, além de um volume extenso e disperso de artigos, crônicas e poemas em jornais e suplementos literários. Um longo hiato separaria os dois primeiros, publicados na década de 1940, e os dois últimos entre os anos 1980 e 1990. Não é possível – insisto nisso – ter certeza de que durante esse longo período não tenha publicado nenhum livro, pois Tomás Seixas preferia as plaquetes, publicações independentes, compondo volumes reduzidos, refletindo uma inclinação marginal que expressaria o seu deslocado dandismo.
O primeiro livro, datando de 1942 e intitulado Os mortos, foi marcado por grande influência do Surrealismo. Provavelmente, essa influência chegou à sua obra através de uma de suas paixões fundamentais: Rimbaud. São de Rimbaud os versos que compõem a epígrafe de Os mortos.
Os poucos poemas que integram esse primeiro livro, nunca reeditado – um total de 10 composições –, apresentam alguns dos elementos essenciais de sua poética: a memória, o indivíduo sem lugar, a imagem mutilada do poeta, o submundo recifense de boêmios e prostitutas, o valor residual da arte e da poesia, fantasmas, aparições, pesadelos, alucinação e onirismo. Menos na utilização das técnicas propriamente surrealistas de composição (escrita automática, cadavre exquis); os poemas de Os mortos produzem uma atmosfera de alucinação urbana e pesadelo. Versos muito longos se alternam com versos curtíssimos, sugerindo um ritmo ditado muito mais pela imagem e pelos solavancos do pensamento do que pela busca de regularidade e musicalidade convencional.
Fonte da biografia do poeta
https://revistacontinente.com.br/edicoes/211/tomas-seixas--marginal--anonimo-e-inclassificavel
CAMPOS, Antonio; CORDEIRO, Claudia. PERNAMBUCO, TERRA DA POESIA - Um painel da poesia pernambucana dos séculos XVI ao XXI. Recife: IMC; Rio de Janeiro: Escrituras, 2005. 628 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
COLHIDOS DA SOMBRA
A Bailarina
O teu silêncio que procura distâncias,
E te apoias de leve — no chão como se o ar te faltasse
Que distâncias percorres?
E o teu suar, superfície de rosa
Quem te ensinou?
Tuas mãos e os saltimbancos
Quanto tempo em conúbio
Com eles viveste
Alada.
O chão teclado e o teu esqueleto
Tua álgebra feita de pés e mãos
E o segredo de formas nunca vistas que revelas
Crias e num instante aniquilas
Tua criação.
Por que não voas
Irmã?
ACONTECE
A PANTERA
"A incessante notícia de uma luta
com as panteras bruscas do invisível."
[Paulo Mendes Campos]
Tudo é assim
Acontece
Acontece uma coisa e depois outra
Acontece o dia primeiro da Criação
Acontece o primeiro homem e acontece a primeira mulher
Acontece depois Caim
Acontece o tempo
Acontece o medo e acontece a esperança
Acontece o que em ti, e em mim, é receio
Acontece uma lua nova, uma flor, um morto pela madrugada
Em cada fração de um segundo acontecem séculos,
milênios
Acontece uma luta, permanente e invisível contra o
invisível
Acontece.
SONATA À LÍLIAN OU AS SOMBRAS NO ESPELHO
(EXCERTO)
HEI de lembrar-me sempre de ti,
ó meu irmão enfermo,
e da penumbra densa
que por muito tempo
envolveu o nosso quarto.
Nós vivíamos então
uma época remota.
Quando o médico chegava
com os seus graves circunlóquios
E eram tantos
os nossos caminhos de brinquedo!
Através das frestas
das altas janelas,
envidraçadas de azul, ouvíamos os rumores da rua,
que representavam fragmentos
daquela outra vida, da qual,
com o maior pavor,
já suspeitávamos, e esse era
um dos nossos segredos.
---------------------------
POUCO tempo depois chegou Natal
e houve lá em casa uma grande festa.
E a festa era lá em casa,
era na rua e era na Igreja.
E todas as portas foram abertas,
de par em par.
E pessoas estranhas vieram me visitar
e me deram muitos presentes.
E me tributaram honras
como as que nas antigas cortes
eram concedidas aos pajens
de grande importância.
E todas as pessoas insistiam
em dizer que eu estava muito melhor.
E aquelas visitas e aquelas palavras
eram para mim um tormento.
E houve muitos risos e muitas palavras
alegres e tinidos de copos de cristal
na mesa da sala de jantar.
Mas no meio de tanta alegria
eu me sentia inexplicavelmente assustado
e me esquecia dos variados presentes
que haviam me dado.
E era como se tivesse vivido
já outra vida e houvesse conhecido também
outra morte.
E de antemão conhecia já todas as dores
e todos os disfarces.
(In Sonata à Lílian ou as sombras no espelho, 1984, p. 13, 35-37)
*
VEJA e LEIA outros poetas de PERNAMBUCO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/pernambuco/pernambuco.html
Página publicada em setembro de 2022
|